Baleias: dinâmica populacional e flutuações climáticas

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O objetivo deste subprojeto foi estudar como a variabilidade climática interfere na dinâmica da população de baleias-jubarte (Megaptera novaeangliae) que reproduzem no Brasil. O primeiro passo foi avaliar a taxa de crescimento das baleias-jubarte na costa brasileira usando métodos que consideram a detecção imperfeita. A taxa de crescimento foi então comparada com outras populações da espécie no mundo buscando explicar quais fatores são responsáveis pela variabilidade nas taxas de crescimento. O manuscrito com estes resultados encontra-se nos anexos deste relatório e será submetido para a revista Journal of Animal Ecology. O segundo passo foi estudar como fenômenos climáticos interferem na demografia das baleias-jubarte. Os resultados desta etapa encontram-se descritos no item abaixo:

El Niño afeta a sobrevivência e reprodução da baleia-jubarte: conexão entre a variabilidade climática e a demografia de um migrante sazonal

Introdução

As populações animais geralmente apresentam flutuações anuais consistindo de uma dinâmica de não equilíbrio, e explicar os mecanismos que governam estas flutuações faz parte do principal paradigma para abordar o problema da regulação das populações \cite{Krebs_1995}. O crescimento populacional é resultado do balanço entre nascimentos e mortes, que é afetado por vários fatores que podem operar mais ou menos independentemente, e responder em diferentes escalas de tempo \cite{Croxall_1992}. Investigar processos subjacentes e reguladores do crescimento populacional tem sido um dos focos da ecologia populacional \cite{rockwood2006introduction}.

O clima tem efeito sobre todos os sistemas biológicos, desde populações, comunidades até ecossistemas. O clima na Terra é caracterizado por grande variabilidade natural em diversas escalas espaciais e temporais (desde sazonais até milenares) \cite{Latif_2008}. Além da grande variabilidade natural, as atividades humanas já causaram não só o aquecimento global, como também um incremento de eventos climáticos extremos ao redor do mundo nas últimas décadas \cite{Intergovernmental_Panel_on_Climate_Change_2014}. Neste contexto atual de mudanças climáticas, é urgente entender como fatores ambientais governam a dinâmica de certas populações, seja de maneira direta ou indireta \cite{Boggs_2012}.

O Oceano Austral é um ecossistema polar extremamente dinâmico e com uma sazonalidade marcante, que tem relação estreita com as espécies marinhas que vivem neste ambiente \cite{Murphy_2007}. Anualmente, um mar de gelo (banquisa) com espessura média de um metro se forma ao redor do continente no inverno, dobrando o tamanho da Antártica. A extensão do mar de gelo tem um grande variação inter-anual, bem como o avanço e retrocesso da banquisa \cite{de_la_Mare_2008}. Com aumento das temperaturas no outono e verão, a banquisa se desfaz e contribui para o incremento da produção primária e secundária na borda do gelo, favorecendo espécies como o krill (Euphasia superba).

O krill é uma espécie chave no ecossistema do Oceano Austral, sendo um organismo importante para a transferência de energia entre os produtores primários e os níveis mais altos da cadeia trófica antártica \cite{Endo_2000}. O krill é um organismo zooplanctônico de vida longa (5 anos) que apresenta grande abundância \cite{NICOL_2006}, servindo de alimento para diversos predadores no Oceano Austral, incluindo aves marinhas, focas e grandes baleias \cite{Laws_1977}. O krill está disponível para seus predadores em poucos meses mais quentes do ano, pois no inverno encontra-se abaixo da banquisa e indisponível para seus consumidores \cite{NICOL_2006}. Assim, estes predadores devem ser capazes de explorar um recurso altamente abundante durante este curto período de tempo \cite{Murphy_2007}.

Um dos maiores predadores de krill é a baleia-jubarte, que realiza anualmente longas migrações sazonais entre áreas de alimentação ao redor da Antártica e regiões de reprodução em áreas tropicais \cite{MACKINTOSH_1946}. Nas áreas de reprodução a baleia-jubarte permanece sem se alimentar, subsistindo com uma espessa camada de gordura adquirida nas áreas polares durante a curta temporada de alimentação. Presume-se que exista uma grande demanda energética da reprodução e migração para as baleias e a disponibilidade de presas no seu período de alimentação seja um dos fatores que regulam sua população.

Este trabalho teve como objetivo explorar o efeito de fenômenos climáticos de meso-escala como a Oscilação Austral/El Niño e o Modo Anular do Sul na demografia das baleias-jubarte que reproduzem no Brasil. Estes processos climáticos têm efeitos na dinâmica do Oceano Austral e podem afetar o principal alimento da baleia-jubarte, o krill. Desta forma, usando bancos de dados de longo prazo coletados na área de reprodução das baleias no Brasil, buscou-se verificar se estes dois fenômenos afetam de maneira indireta a reprodução e a sobrevivência das baleias.

Material e Métodos

Área de Estudo

O Banco dos Abrolhos (16°40’ – 19°30’S, 37°25’ – 39°45’W) é um alargamento da plataforma continental localizado no sul do Estado da Bahia e norte do Espírito Santo. Suas características peculiares garantem uma classificação particular deste trecho da costa brasileira, baseando-se principalmente em critérios geológicos e sedimentológicos \cite{ekau1999introduction}. A característica mais marcante é que suas águas rasas estendem-se entre 75 a 200 km da costa. As águas quentes da Corrente do Brasil correm do norte para o sul na região, mas o Banco dos Abrolhos forma uma barreira topográfica para esta corrente.

O banco destaca-se também por suas extensas formações coralinas, com bancos de algas calcáreas (rodolitos), recifes profundos e barreiras de corais \cite{hetzel1994corais}. O Banco dos Abrolhos é a maior concentração de recifes de coral do Oceano Atlântico Sul. Na região também se encontra uma grande diversidade de peixes e outros organismos marinhos \cite{dutra2005rapid}, motivando a criação de diversas áreas marinhas protegidas. Uma destas áreas protegidas é o Parque Nacional Marinho do Abrolhos, que abrange um arquipélago de ilhas vulcânicas (Arquipélago dos Abrolhos) e um parcel adjacente (Parcel dos Abrolhos). As águas ao redor do parque, especialmente ao sul, correspondem às áreas de maior densidade de baleias-jubarte da costa brasileira \cite{Andriolo_2010}. A amostragem deste estudo se concentrou nesta região de alta densidade de baleias ao redor do Arquipélago de Abrolhos.

Coleta de dados

Coletas embarcadas para foto-identificação e contagem de grupos foram realizadas anualmente entre julho e novembro de 1989 a 2011. Para as coletas foram utilizadas embarcações de madeira ou fibra de vidro com 14 a 18 metros de comprimento e motorização a diesel. As campanhas partiram da cidade de Caravelas no Sul da Bahia, com duração de 3 a 5 dias. Foram percorridas rotas visando cobrir regiões distintas a cada dia de amostragem, geralmente pernoitando no Arquipélago dos Abrolhos.

A procura por grupos de baleia iniciava sempre no início da manhã e durava até o final do dia, enquanto houvesse luz e quando as condições meteorológicas estavam favoráveis. Quando o estado do mar estava maior que 5 na escala Beaufort ou quando houvesse chuvas, a amostragem era paralisada até que as condições se tornassem adequadas. Os grupos eram procurados a olho nu por no mínimo três observadores que permaneciam no ponto mais alto da embarcação. Quando um grupo de baleias era detectado, a embarcação seguia o mesmo por até 50 minutos (30 minutos quando havia filhote). Dados como a hora do dia, coordenadas geográficas, tamanho e composição do grupo, presença de filhote e comportamento era registrados em fichas de campo. Os filhotes foram considerados como indivíduos com menos de 50 por cento do comprimento da fêmea, indivíduo adulto que o acompanha \cite{Clapham_1987}.

A embarcação seguia os grupos da baleia-jubarte visando obter fotografias da parte ventral de suas nadadeiras caudais, que permite a identificação individual através dos padrões de pigmentação que variam de todo branco a todo preto \cite{Katona_1981}. Entre 1989 e 2003, as fotografias eram tiradas com máquinas analógicas \cite{freitas2004abundance}. A partir de 2004, foram utilizadas máquinas digitais. Foram usadas lentes com distância focal entre 200 e 400 mm, permitindo maior ampliação das caudas. As caudas foram classificadas em cinco padrões de acordo com a proporção de branco e preto da cauda (Padrão 1 – toda branca e Padrão 5 – toda preta). As fotografias foram comparadas com outras fotos do mesmo padrão e dos padrões adjacentes. Quando um indivíduo novo era identificado, a melhor fotografia era inserida em um catálogo base. Somente fotografias de boa qualidade foram consideradas, seguindo os seguintes critérios: (a) foco correto, (b) ângulo vertical e perpendicular ao fotógrafo, e (c) fotometria adequada – pigmentação branca e preta visível. Duas a três pessoas realizaram as comparações de fotos independentemente. Depois da comparação, os resultados eram confrontados visando reduzir os erros.

Modelos de marcação-recaptura

Os dados de foto-identificação foram utilizados para construir uma matriz com os históricos de capturas das baleias. O primeiro ano foi excluído do banco de dados, totalizando 22 anos de série temporal. A probabilidade de sobrevivência foi estimada usando o modelo condicional de Cormack-Jolly-Seber - CJS \cite{CORMACK_1964}. De acordo com esse modelo, a probabilidade de um animal ser reavistado depende de dois processos: (a) o animal estar vivo na área de estudo e (b) o animal ter sido capturado. Dois parâmetros são estimados através do modelo, sendo a probabilidade de captura (p) condicionada à probabilidade de sobrevivência aparente (ϕ). A sobrevivência é dita aparente porque não se consegue distinguir entre os processos de mortalidade e emigração permanente.

Cada histórico de captura único pode ser descrito probabilisticamente. O produto das probabilidades de cada histórico e sua frequência compõem a função de verossimilhança. A função de verossimilhança foi maximizada visando obter as estimativas dos parâmetros usando o programa Mark, versão 7.1 \cite{White_1999}. Os modelos foram construídos dentro de uma abordagem de modelos generalizados lineares (GLM), permitindo que os parâmetros do modelo (p e ϕ) variem em função de covariáveis contínuas ou categóricas \cite{Lebreton_1992}. Covariáveis climáticas e temporais foram incorporadas nos modelos de marcação-recaptura através de uma função de ligação logit.

Os modelos foram comparados usando o Critério de Informação de Akaike (AIC), que considera o ajuste do modelo penalizado pelo número de parâmetros do mesmo \cite{burnham2002model}. Desta forma busca-se encontrar um modelo com o melhor ajuste e menor complexidade, princípio da parcimônia. A seleção é realizada através do Delta AIC, que é calculado subtraindo o AIC do melhor modelo pelo AIC de cada modelo. O melhor modelo é aquele que tem o menor valor de AIC e possui Delta AIC igual a zero. Como critério de corte, considera-se que todos os modelos com Delta AIC menor que 2 são plausíveis, ou explicações válidas para os dados \cite{burnham2002model}.

O bom ajuste do modelo CJS e as suas premissas \cite{Nichols_2010} foram avaliadas através de uma série de testes de bondade de ajuste aditivos usando o programa Release \cite{burnham1988design}. O fator de inflação da variância (c-hat) foi calculado como um indicativo do grau de variação extra-multinomial ou sobredispersão, e usado para alargar os intervalos de confiança das estimativas. Através do c-hat também pode ser corrigido o valor de AIC resultando na medida Quasi-AIC (QAIC) que favorece modelos mais simples e menos parametrizados. O fator de inflação da variância foi calculado somando-se os dois valores de Qui-quadrado obtidos dos testes 2 e 3 do programa Release e dividindo-se pela somatória dos graus de liberdade desses testes. Um valor de c-hat próximo de um, indica que não existe excesso de variação.

Modelos de contagens de filhotes

Para a modelagem das contagens de filhotes foram utilizados dados de 1996 a 2011. O dia de amostragem foi considerado como unidade amostral. O número de filhotes observados por dia foi então utilizado como variável resposta em um modelo generalizado linear (GLM) com distribuição de erros Poisson \cite{mccullagh1989generalized}. O logaritmo natural foi usado como função de ligação do GLM, restringindo os valores da variável resposta a números inteiros positivos. Desta forma, buscou-se verificar quais variáveis explanatórias ou combinação destas que explica a variação no número de filhotes observados por dia de amostragem no Banco dos Abrolhos. Os melhores modelos foram escolhidos com base no menor valor de AIC \cite{burnham2002model}. Todos os modelos GLM foram construídos usando o programa R \cite{team2014r}.

O esforço amostral em milhas náuticas percorridas foi usado para corrigir as contagens (termo offset), resultando numa taxa de filhotes observados por dia como variável resposta. Considerando que a maioria dos nascimentos ocorrem a partir de agosto \cite{martins2001aspects}, os dados do mês de julho foram excluídos devido à ausência de filhotes. O excesso de zeros (ausência de filhotes no dia) pode causar sobredispersão \cite{Zuur_2009}.

As variáveis explanatórias foram exploradas de forma a verificar sua colinearidade, que pode reduzir a precisão dos coeficientes de regressão e deve ser eliminada \cite{fox2010r}. Depois de avaliadas por meio de gráficos de dispersão, índice de correlação de Pearson e fator de inflação de variância, as variáveis correlacionadas foram excluídas da análise.

Variáveis climáticas

Dois índices climáticos foram utilizados como covariáveis nos modelos de sobrevivência e contagem de filhotes (Figura 1): (a) SOI – índice da Oscilação Austral (Southern Oscillation Index), e (b) SAM – índice do Modo Anular Austral (Southern Annular Mode). O SOI é um índice standardizado calculado a partir da diferença de pressão atmosférica entre os lados oriental e ocidental do Oceano Pacífico \cite{stone1996prediction}. Períodos prolongados de valores negativos de SOI indicam o fenômeno El Niño, com aquecimento das águas do Pacífico, enquanto períodos com SOI positivo indicam o fenômeno de La Niña. Este índice foi inserido como variável contínua nos modelos, consistindo em um efeito diferenciado conforme a intensidade do evento de El Niño ou La Niña. Anos de El Niño forte a moderado (períodos de mais de três meses de SOI < -1) também foram inseridos nos modelos de sobrevivência como variável categórica. Neste caso, o efeito sobre a sobrevivência se daria somente com eventos significativos de aquecimento das águas do Pacífico e seus reflexos sobre o Oceano Austral.

O SAM é um fenômeno de grande escala caracterizado por câmbios de massa atmosférica entre altas e médias latitudes \cite{limpasuvan1999eddies}. Este fenômeno tem influência nos ventos dominantes e temperatura da superfície do mar na Antártica. Em sua fase positiva, o SAM é caracterizado pela intensificação dos ventos circumpolares que sopram do oeste. Os dois índices foram incluídos com efeitos no mesmo ano e com efeitos atrasados (lag de 1 a 6 anos). A inclusão de efeito com atraso se justifica por causa do mecanismo hipotético de efeito da variabilidade climática sobre as baleias. Espera-se que o clima afete a principal presa das baleias, que é o krill. Desta forma, o clima afetaria primeiro o krill para depois afetar indiretamente a demografia das baleias (ver discussão).