Análise de dados

Focamos as análises de padrões temporais de diversidade nos dados obtidos no PEPT. Tínhamos optado inicialmente por realizar as análises incluindo as duas áreas pois estas pareciam se adequar à dinâmica postulada pela teoria neutra onde uma comunidade local (i.e., o PEPT) seria “abastecida” de indivíduos por uma metacomunidade (RF). No entanto, como o fluxo de indivíduos entre as áreas foi extremamente baixo, impedindo estimativas de probabilidade de deslocamento (ver resultados), restringimos as análises aos dados coletados no PEPT pois estes apresentam uma maior abrangência temporal e um maior número de indivíduos capturados por ocasião (ver resultados).

Os padrões de diversidade aqui avaliados (forma da DAE ao longo do tempo e rotatividade no ranking de abundância de espécies) foram baseados em séries temporais de estimativas de abundância de populações de Ithomiini, séries estas de dois tipos: i) número de indivíduos capturados (doravante abundância crua) ou ii) número estimado de indivíduos (doravante abundância estimada). Enquanto a abundância crua tem a premissa de que a detectabilidade é constante, i.e., que o número de indivíduos capturados por espécie é proporcional a abundância “real” - e desconhecida - de cada espécie (Nichols et al. 2009), a abundância estimada considera que cada espécie pode ter uma probabilidade de captura distinta.

Obtivemos a abundância crua de cada espécie somando o número de indivíduos capturados por ocasião primária (excluindo recapturas dentro de uma mesma ocasião primária) e dividindo esse valor pelo esforço amostral multiplicado por 100 (Mac Nally 2007):

〖Ab〗_c= n_i/((min*col)*100)

Onde 〖Ab〗_c representa a abundância crua de uma dada espécie, n_i representa o número de indivíduos capturados na ocasião i (excluindo recapturas dentro de uma mesma ocasião), min representa o número de minutos de captura empreendidos na ocasião i e col representa o número de coletores que capturaram na ocasião i. Formalmente, a abundância crua representa o número de indivíduos capturados por coletor a cada 100 minutos de captura, e pode ser enquadrado na categoria dos métodos de índice, os quais consideram a probabilidade de captura/detecção constante (Nichols et al. 2009).

Obtivemos as abundâncias estimadas de cada espécie ajustando modelos de captura-recaptura aos dados, conforme descrito a seguir.

Modelos de captura-marcação-recaptura

O modelo usado para estimar o tamanho das populações de Ithomiini em cada ocasião de captura foi o Jolly-Seber formulação POPAN (doravante JS POPAN, Schwarz et al. 1993, Williams et al. 2002). O plano inicial era obter estimativas de abundância através do modelo Robusto (Williams et al. 2002), porém problemas de convergência nos modelos, causados pelo grande número de parâmetros destes, impediram que se usasse tal abordagem. O modelo JS POPAN utiliza estimativas de parâmetros demográficos (sobrevivência aparente - phi, recrutamento aparente – pent, e tamanho da superpopulação - N) corrigidas por estimativas de parâmetros de captura (probabilidade de captura - p) para estimar de maneira derivada o número de indivíduos presente em cada ocasião de captura (Schwarz et al. 1993), isto é, a abundância estimada (n-hat na notação do modelo). Além de possuir menos parâmetros do que o modelo Robusto (e por isso permitir que os parâmetros demográficos fossem estimados a partir dos dados obtidos), o conceito de superpopulação do JS POPAN (i.e., um “reservatório” de indivíduos que fornece indivíduos para a população estudada - Schwarz et al. 1993) tem semelhanças com o conceito de meta-comunidade da teoria neutra (Hubbell 2001). JS POPAN é um modelo de população aberta, isto é, que assume a ocorrência de adições (nascimentos e imigrações) e subtrações (mortes e emigração) entre as ocasiões de captura. Para adaptar nosso desenho amostral ao modelo agrupamos as ocasiões secundárias de cada ocasião primária, resultando em um histórico de capturas com 31 ocasiões (distribuídas ao longo de 28 meses).

Dentre as 24 espécies registradas ao longo do estudo (ver resultados), oito tiveram número suficiente de capturas e recapturas para que estimativas de abundância pudessem ser obtidas. Coincidentemente, estas oito espécies representam a assembléia núcleo (core) sensu Magurran (2007), pois, ao contrário das demais espécies de Ithomiini capturadas, elas tiveram ocorrência temporal constante ao longo de todo o estudo. Segundo Magurran (2007), DAE de assembleias núcleo costumam ser bem descritas pela distribuição Log-Normal (Preston 1948), e a partição de uma assembleia em espécies frequentes (core) e espécies ocasionais facilitaria o teste de modelos biológicos e neutros.

Obtivemos as abundâncias estimadas de cada espécie núcleo a partir do modelo ou do subconjunto de modelos mais plausíveis dentre um rol de 25 modelos JS POPAN candidatos (ver abaixo), selecionados através do critério de seleção de Akaike corrigido para amostras pequenas (AICc - Burnham & Anderson 2002). Nos casos onde houve incerteza na seleção de modelos, as estimativas de parâmetros foram ponderadas pelo peso de AICc dos modelos que tiveram peso de evidência > 0 (Burnham & Anderson 2002). O rol de 25 modelos POPAN candidatos, os quais foram avaliados separadamente para cada espécie, diferiram quanto à possibilidade de variação temporal dos parâmetros e quanto à inclusão ou não de covariáveis (Tab. 1). Montamos modelos onde os parâmetros Phi (sobrevivência aparente) e pent (recrutamento aparente) puderam: i) ser constantes ao longo do tempo, ii) variar entre cada ocasião ou iii) depender de covariáveis. Visto que a abundância de Ithomiini parece ser fortemente influenciada pela pluviosidade (Drummond 1976, Vasconcellos-Neto 1980, Araújo 2006), montamos modelos onde Phi e pent covariaram com i) chuva acumulada (mm) entre cada ocasião de captura; ii) com chuva mensal histórica (1933-2013); ou iii) com estação do ano - chuvosa (outubro a março) ou seca (abril a setembro - IAG 2013). Utilizamos dados de pluviosidade coletados por uma estação meteorológica localizada na mancha urbana de São Paulo, a 15 km da área de estudo (IAG 2013, 2015).

Para levar em conta esforços de captura desiguais em algumas ocasiões, incluímos alguns modelos onde o parâmetro probabilidade de captura (p) covariou com esforço amostral. Também incluímos modelos onde p foi constante e modelos onde p foi variável entre as ocasiões de captura (ver Tab. 1). O parâmetro n-hat - a abundância estimada de cada espécie núcleo em cada ocasião - não pôde ser diretamente associado a nenhuma covariável por não ser diretamente estimado pela função de verossimilhança, mas de forma derivada a partir dos demais parâmetros (Schwarz & Arnason 1996). Os modelos POPAN foram construídos no programa R (R Core Team 2013) a partir de funções disponíveis no pacote RMark (Laake 2013) e rodados no programa Mark (Cooch & White 2006) tendo o programa R como interface.

Aqui vai a tabela 1.

Descrição de padrões temporais de diversidade

Descrevemos a dinâmica da DAE medindo a variação do ajuste de diferentes modelos de distribuição de abundância à série temporal. Ajustamos a DAE obtida em cada ocasião de captura a cinco diferentes modelos: Log-series (Fisher et al. 1943), Log-Normal (Preston 1948), Broken-stick (MacArthur 1960), Zero Sum Multinomial (Alonso and McKane 2004) e Poisson Log-normal (Engen et al. 2011). Comparamos o ajuste dos modelos através do critério de informação de Akaike (Burnham and Anderson 2002), e utilizamos o peso de AIC (WAIC) como medida para avaliar o ajuste. As séries temporais dos WAIC de cada modelo foram utilizadas para avaliar variações na forma (ajuste) da DAE ao longo do tempo. Fizemos o procedimento acima descrito tanto para as DAE baseadas em abundâncias cruas quanto para as baseada em abundâncias estimadas. As distribuição dos valores temporais de WAIC dos dois tipos de DAE foram comparados pelo teste de Komolgorov-Smirnov. Para o ajuste e seleção de modelos de DAE utilizamos o pacote sads (Prado and MIranda 2014) do programa R (R Core Team 2013).

Para descrever a rotatividade (turnover) nos ranques de abundância ao longo do tempo calculamos como a similaridade (correlação) entre duas DAE obtidas em diferentes ocasiões varia com o intervalo de tempo (meses) entre elas (Engen et al. 2011). A similaridade entre cada par possível de DAE temporais (465 combinações no total) foi obtida do parâmetro ρ da distribuição Poisson Log-normal bivariada, o qual representa a correlação entre duas DAE: valores próximos de 1 indicam que as espécies abundantes e raras em uma DAE também o são na outra (baixa rotatividade); valores próximos de -1 indicam que espécies abundantes em uma DAE são raras na outra e vice-versa (alta rotatividade, Engen et al. 2011).

Para modelar a variação na similaridade entre pares de DAE em função do intervalo de tempo entre elas, ajustamos polinômios de diferentes ordens (de 0 a 15) aos dados, comparando seus ajustes através do AIC. Como a assembleia de Ithomiini apresenta dois estado distintos, cíclicos e previsíveis ao longo do ano (formação de bolsões na estação seca e sua dissolução na chuvosa, ver resultados) consideramos que estes modelos poderiam descrever satisfatoriamente a relação similaridade-tempo. Além disso, polinômios de ordem zero e de ordem 1 (i.e., a equação linear) são adequados para descrever cenários alternativos, tal como ausência de variação na similaridade em função do tempo ou uma tendência linear de aumento ou diminuição. Fizemos o procedimento acima descrito tanto para as séries temporais de DAE baseadas em abundâncias cruas quanto para as baseadas em abundâncias estimadas. A fim de comparar se a relação similaridade-tempo variou entre DAE cruas e DAE estimadas, as funções polinomiais selecionadas para cada tipo de DAE foram comparados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov bicaudal.

Simulações de dinâmica neutra

Para obter padrões de diversidade temporal conforme esperado por uma dinâmica neutra realizamos simulações no programa Mark (Cooch and White 2006). A proposta original era realizar simulações no pacote untb do programa R, porém características do nosso sistema de estudo fazem com que premissas básicas do modelo neutro clássico sejam pouco realistas. Por exemplo, grandes oscilações cíclicas observadas no número de indivíduos ao longo do ano (ver resultados) violam a premissa de soma zero da dinâmica neutra (Hubbell 2001). Além disso, havíamos considerado que uma das áreas amostrais (Reserva Florestal) seria uma fonte de indivíduos (“metacomunidade”) para a outra (PEPT), emulando cenário postulado pela dinâmica neutra. Porém o baixíssimo número de recapturas entre áreas (ver resultados) impossibilitou a estimativa independente do parâmetro de migração da teoria neutra, limitando muito nossa estratégia inicial de confrontar os padrões empíricos com os simulados pela teoria neutra clássica.

Assim, simulamos uma dinâmica neutra a partir do módulo de simulações do programa Mark usando o próprio modelo JS POPAN como base. Rodamos uma simulação de dinâmica temporal para cada uma das oito espécies núcleo, simulações estas que reproduziram os dados empíricos em termos de número de ocasiões de captura e de intervalos de tempo entre elas. Para obter as DAE simuladas de uma dada ocasião, agrupamos as abundâncias simuladas das oito espécies núcleo obtidas naquela ocasião. Para simular a dinâmica neutra consideramos que as probabilidades de entrada (recrutamento aparente - pent) e de saída (sobrevivência aparente - Phi) eram iguais para todas as espécies, emulando a premissa de equivalência demográfica. O tamanho da superpopulação (N), i.e., a fonte de indivíduos para a assembleia estudada segundo postulado pelo JS POPAN, poderia variar entre espécies, emulando os diferentes tamanhos populacionais presentes na metacomunidade segundo postulação da teoria neutra. As probabilidades de captura (p) também puderam variar entre espécies.

Para obter os valores dos quatro parâmetros acima descritos usados na simulação de cada espécie, agrupamos os dados de todas as espécies em um único conjunto de históricos de captura e ajustamos 33 modelos JS POPAN aos dados. Estes modelos puderam variar os parâmetros Phi e pent no tempo e com covariáveis de chuva (as mesmas dos modelos da tabela 1), sendo iguais para todas as espécies; o parâmetro p pôde variar com espécie e com esforço amostral; e o parâmetro N pôde variar apenas com espécie. Usamos nas simulações os parâmetros obtidos do melhor modelo selecionado pelo AIC (Phi e pent variando no tempo, p variando com espécie e com esforço amostral e N variando com espécie – WAIC = 1). Uma vez obtida a série temporal de DAE simuladas, obtivemos os padrões de diversidade temporal conforme esperado por uma dinâmica neutra seguindo os mesmos procedimentos descritos para as DAE empíricas. Utilizamos o teste de Kolmogorov-Smirnov para comparar os padrões de diversidade simulados com os empíricos.

2.1.4 Resultados

Entre abril de 2013 e julho de 2015 realizamos 22.551 capturas de 17.001 indivíduos de Ithomiini pertencentes a 24 espécies: 14.099 capturas de 10.199 indivíduos no PEPT (22 espécies) e 8.450 capturas de 6.880 indivíduos na Reserva Florestal (24 espécies, Tab. 2). Das mais de 22 mil capturas, apenas 64 (0,28 por cento) foram de indivíduos que se deslocaram de uma área para outra.

Aqui vai a tabela 2.