2.1.1 Relato das atividades desenvolvidas

Desde o último Relatório Científico de Andamento (janeiro de 2015) continuamos normalmente com a coleta de dados de captura-marcação-recaptura de borboletas Ithomiini (Nymphalidae, Danainae) nas duas áreas de estudo: Parque Esporte Para Todos (PEPT) e Reserva Florestal da Cidade Universitária (RF), ambas no campus da USP em São Paulo. No PEPT iniciamos as amostragens em abril de 2013 e até outubro de 2015 foram realizadas 34 campanhas. A frequência de coletas foi quinzenal de abril a julho de 2013 e mensal após este período. Iniciamos as coletas na Reserva Florestal em fevereiro de 2014 e até outubro de 2015 foram realizadas 21 campanhas. Prosseguiremos as amostragens em ambas as áreas pelo menos até janeiro de 2016, com frequência mensal. Aqui serão reportados os dados obtidos até julho de 2015. Os resultados obtidos serão apresentados mais adiante na sessão “Resultados”.

Além da continuidade da coleta de dados, desenvolvemos as análises de dados planejadas para responder às questões propostas nesta meta do projeto. Desenvolvemos um código na linguagem R para a análise de dados de marcação-captura-recaptura usando o programa Mark (Cooch and White 2006) e tendo o pacote RMark (Laake 2013) do programa R como interface. Este código serviu de base para uma aula ministrada em 27/03/2015 pelo doutorando Carlos Candia-Gallardo na Disciplina BIE 5703 - Modelos Estatísticos em Ecologia Populacional, pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia do IB-USP e coordenada pelo Prof. Dr. Paulo Inácio Prado e pelo pós-doutorando Dr. Leonardo Wedekin. Além da análise de dados de captura-marcação-recaptura, também desenvolvemos as análises planejadas para descrever e simular a dinâmica temporal da diversidade de comunidades biológicas. As análises descritivas também foram desenvolvidas na linguagem R tendo como base os pacotes sads (Prado and MIranda 2014) e o pacote poilog (Grøtan and Engen 2008), enquanto que as simulações foram desenvolvidas no programa Mark.

Tal como é de praxe na pesquisa científica, ao longo da coleta de dados e da execução das análises surgiram dificuldades não previstas na fase de planejamento. No entanto, estas dificuldades não nos impediram de abordar as questões propostas, fazendo-nos conceber alternativas e adaptações que funcionaram satisfatoriamente. Dentre estas mudanças estão a substituição do modelo que utilizamos para analisar os dados de captura-marcação-recaptura, devido a problemas de convergência com o Modelo Robusto. Também fizemos adaptações e mudanças na montagem das simulações de dinâmica neutra, visto que particularidades do sistema de estudo violavam premissas do modelo neutro clássico, notadamente a premissa de soma zero (Hubbell 2001). Ao longo do texto detalharemos e justificaremos as adaptações e mudanças executadas.

2.1.2 Objetivos

Este subprojeto tem dois objetivos: a) descrever padrões de diversidade (dinâmica temporal da forma da DAE e rotatividade no ranking de abundâncias) de uma assembleia de borboletas da tribo Ithomiini (Nymphalidae, Danainae) ao longo do tempo, testando se eles são previstos por modelos de estruturação de comunidades que se baseiam em processos neutros; e b) comparar os padrões de diversidade temporal de borboletas descritos a partir de dados crus (ver adiante) com os mesmos padrões descritos a partir de modelos que consideram detecção imperfeita.

2.1.3 Material e métodos

Área e sistema de estudo

O sistema de estudo desta meta consistiu de assembleias de borboletas nectarívoras de sub-bosque da tribo Ithomiini (Nymphalidae, Danainae) distribuídas em duas manchas florestais na Cidade Universitária Armando Sales Oliveira - USP, em São Paulo, o Parque Esporte Para Todos (PEPT) e a Reserva Florestal da USP (RF, Fig. 1). O PEPT possui aproximadamente 4,5 ha e apresenta um sub-bosque dominado por espécies nativas e um dossel dominado por Eucalyptus sp. com mais de 20 m de altura. A RF consiste de um remanescente de mata nativa em estágio médio de regeneração, que possui algumas nascentes e cerca de 10 ha de extensão. Seu sub-boque é denso e Eucalyptus de mais de 20 m de altura se encontram no entorno de um lago perene. A fisionomia florestal do PEPT e da RF conferem aos seus sub-bosques condições de sombreamento, umidade e temperatura propícios para a existência de borboletas Ithomiini. O clima da região é temperado úmido com inverno seco e verão quente (Cwa segundo classificação Köppen), com médias anuais históricas (1933-2013) de temperatura e pluviosidade de 18,6 °C e 1419 mm (IAG 2013).

Na Cidade Universitária da USP já foram registradas 25 espécies de borboletas Ithomiini (Accacio 1998; Candia-Gallardo, dados não-publicados), um número bastante expressivo quando comparado a outras localidades bem amostradas no estado de São Paulo. Além de serem facilmente capturadas e marcadas, as borboletas Ithomiini apresentam cerca de três gerações anuais, permitindo que sucessivas gerações fossem amostradas durante a execução do projeto. A dinâmica anual destas assembleias varia com a sazonalidade na umidade. Na estação seca, a qual se estende entre maio e agosto na região de estudo, as espécies de Ithomiini se agregam em locais úmidos próximos ao chão da mata, formando os chamados bolsões (Brown Jr. 1992), os quais podem ter centenas ou até milhares de indivíduos (Canals 2003). Com o aumento da umidade ao final da estação seca os bolsões se desfazem e as borboletas se dispersam para se acasalar e ovopositar (Gustavo Accacio, comunicação pessoal). As assembleias de borboletas Ithomiini são compostas por espécies miméticas Müllerianas, as quais sofreriam pressão seletiva para convergir tanto na morfologia (Ruxton et al. 2004) quanto na ecologia (Elias et al. 2008). Assim, essa assembléia deve se aproximar da premissa da teoria neutra de Hubbell (2001) de equivalência entre espécies.

Coleta de dados

Os padrões de diversidade da assembleia de borboletas Ithomiini foram obtidos a partir de um estudo de captura-marcação-recaptura. A frequência das sessões de captura seguiu o delineamento robusto de Pollock (Williams et al. 2002), onde as ocasiões primárias tiveram frequência mensal, quinzenal nos primeiros quatro meses (média = 26,4 dias de intervalo, DP = 12,5). Cada ocasião primária consistiu de quatro (em alguns casos três) ocasiões secundárias (i.e., sessões de captura) - de 30 minutos de duração média (desvio-padrão = 13,6), realizadas ao longo de dois ou três dias consecutivos. O intervalo entre ocasiões secundárias de uma dada ocasião primária variou entre quatro e 17 horas. Realizamos as capturas entre 09h 00 e 16h 00 em períodos sem chuva. No total, realizamos 31 ocasiões primárias de captura distribuídas ao longo de 28 meses (abr/2013 a jul/2015).

Cada sessão de captura de 30 minutos (i.e., instância secundária) foi conduzida por duas pessoas munidas de redes entomológicas. Realizamos as capturas ao longo de um circuito de aproximadamente 300 m, com o formato do número 8, alocado no interior do PEPT (Fig. 1). Os coletores caminharam vagarosamente, e em sentidos opostos, ao longo do circuito capturando ativamente qualquer Ithomiini visível localizado a até 3 m da linha do trajeto e até 2,5 m acima do solo. Usualmente cada coletor completava de três a quatro voltas pelo circuito em cada sessão de captura. A fim de evitar fugas e danos aos espécimes, após o acúmulo de alguns indivíduos na rede entomológica nós os transferíamos para sacos plásticos transparentes cheios de ar e lacrados com elásticos de borracha. Imediatamente após o término de cada sessão de captura nós identificamos os espécimes e os marcamos individualmente com números sequenciais na face ventral das asas anterior ou posterior (dependendo da espécie), com caneta permanente ponta ultrafina (Fig. 2). Após a marcação soltamos os espécimes nas imediações dos locais de captura.