Energia Potencial em uma dimensãoNa seção passada, estudamos o caso da partícula livre. Por não interagir com nenhum outro sistema físico, a partícula livre tem trajetória retilínea, uma vez escolhido um referencial inercial para analisá-la. Para descobrir a curva que representa o movimento, utilizamos o postulado da conservação da energia mecânica e o fato de que a partícula livre só possui energia cinética. Agora, vamos fazer com que esta partícula possa interagir com outros sistemas físicos, mas que ainda tenha seu movimento restrito a uma trajetória retilínea. Na prática, apenas tipos especiais de interação manterão uma partícula em uma única dimensão cartesiana. No entanto, vamos nos utilizar desta situação ideal para introduzir outros conceitos importantes.Vamos supor, agora, um sistema composto de duas partículas de massas \(m_1\) e \(m_2\). A única interação no sistema é a interação entre as duas partículas, portanto, o sistema em si é isolado. Ambas as partículas permanecerão restritas a uma trajetória retilínea, portanto, a interação resulta em movimento unidimensional para cada partícula. Nesta configuração, a energia do sistema é composta pela energia cinética da partícula 1, \(K_1\), da energia cinética da partícula 2, \(K_2\), e da energia de interação \(V_{12}=V_{21}=V\left(x_1,x_2\right)\), denominada energia potencial. No geral, a energia potencial pode depender das posições, velocidades e acelerações de ambas as partículas, mas no caso mais simples, vamos supor que dependa apenas da posição. Assim, temos\[E=K_{1}+K_{2}+V_{12}=\frac{1}{2}m_{1}v_{1}^{2}+\frac{1}{2}m_{2}v_{2}^{2}+V\left(x_{1},x_{2}\right).\] Aqui, os observáveis são vetores em uma dimensão, de modo que podemos ignorar a notação vetorial e trabalhar com o módulo desses vetores.Se o sistema é isolado, esta energia se conserva no tempo, ou seja,\[\frac{dE}{dt}=0\thinspace\thinspace\implies\thinspace\thinspace\left(m_{1}a_{1}+\frac{\partial V}{\partial x_{1}}\right)v_{1}+\left(m_{2}a_{2}+\frac{\partial V}{\partial x_{2}}\right)v_{2}=0.\] Como a trajetória é unidimensional, todos os vetores são colineares, assim, a equação acima pode ser satisfeita de várias formas. A conservação da energia não é suficiente neste caso, porque matematicamente o sistema não é unidimensional. A trajetória o é, mas precisamos de duas variáveis de posição para identificar um estado do sistema em determinado tempo \(t\). Essas variáveis são as posições \(x_{1}\)e \(x_{2}\). Embora o movimento seja unidimensional, dizemos que ele possui dois graus de liberdade. Neste caso, precisaremos de mais um postulado para tratar deste caso, o que deixaremos para a próxima seção.Contudo, uma generalização deste sistema pode ser tratada unidimensionalmente apenas com o sexto postulado, assumindo-se ignorância com relação a uma parte do sistema físico. Considere, por exemplo, uma partícula de massa \(m\) restrita a uma trajetória retilínea, mas que interage com um sistema de partículas, chamado sistema 2. Vamos assumir que não conhecemos nada sobre o sistema interagente, ou seja, não temos informação de sua energia de movimento ou sua energia interna. A energia do sistema completo (partícula + sistema 2) deveria ser a soma:Da energia cinética da partícula 1; Da soma da energia cinética de todas as partículas constituintes do sistema 2;Da interação de cada partícula do sistema 2 com a partícula 1;Da interação interna das partículas do sistema 2.Complicado. Mas em muitos sistemas de interesse é possível modelar a interação do sistema 2 com a partícula 1 com uma única energia potencial \(V\left(x\right)\). Neste caso, estamos ignorando o que ocorre com o sistema 2, já que não temos como ter informações completas sobre ele, e estamos analisando apenas o movimento da partícula 1. Neste caso, a energia relacionada à partícula 1 é dada apenas por\[\label{01}E=\frac{1}{2}mv^{2}+V\left(x\right).\]No geral, não esperamos que esta energia seja conservada, pois estamos deixando de fora o sistema 2. Assim, a partícula 1 passa a ser um sistema aberto, ou não isolado, portanto, o postulado 6 não se aplica. Mas existem sistemas nesta situação que possuem energia (1) conservada. São exemplos de sistemas conservativos.Assim, o sistema descrito pela energia (1) é genuinamente unidimensional, possuindo um único grau de liberdade, representado pela posição \(x\). Se esta energia se conserva, temos\[\frac{dE}{dt}=0\thinspace\thinspace\implies\thinspace\thinspace\left(ma+\frac{\partial V}{\partial x}\right)v=0,\]que resulta em\[\label{02}m\ddot{x}=-\frac{\partial V}{\partial x}.\]equação (2) é o que conhecemos como a equação de movimento do sistema 1.O fato é que é possível modelar a interação sobre um sistema físico de interesse, resultando da interação com um sistema desconhecido, em um grande número de aplicações. Este é o caso, por exemplo, ao analisarmos corpos em queda na Terra. Se o corpo em queda tem massa e dimensões muito menores que a Terra, ele pode ser modelado como uma partícula. A Terra, por outro lado, é um corpo extenso complexo, mas que pode ser modelado por um sistema de partículas, como o sistema 2 acima. Não é necessário conhecer a dinâmica da Terra para estudar a queda do corpo com um alto grau de precisão. Como a interação gravitacional, que rege a interação neste caso, é conservativa, podemos ignorar a Terra e modelar a queda do objeto como o movimento de uma partícula com energia potencial dependente apenas da posição do corpo com relação a uma posição de referência.Assim, cada expressão para \(V(x)\) remonta a um sistema conservativo unidimensional distinto. A partícula livre, tratada na seção passada, é um sistema de potencial zero, ou constante. Note que, se a energia potencial é constante, a energia cinética continua um invariante dinâmico. Como resultado, o acréscimo de um valor constante à energia de uma partícula não muda o movimento da partícula. No caso da partícula livre, basta ver que (2) se resume a \(\ddot{x}=0\) se \(V\) constante, portanto, um potencial constante não resulta em verdadeira interação.A quadraturaVamos supor, agora, o caso de uma partícula restrita a uma reta, sujeita a um potencial que depende apenas da posição dessa partícula na reta, ou seja, \(V=V(x)\). A ausência da velocidade ou da aceleração pode parecer pouco geral, mas o fato é que muitos sistemas de interesse possuem \(V\) como função apenas da coordenada. Neste caso, a energia da partícula é dada pela expressão (\ref{01}). Por enquanto, vamos supor que esta energia se conserva. Assim, \(E\) é uma constante de movimento. Assim como no caso da partícula livre, cada valor de \(E\) definirá uma curva distinta sobre a trajetória retilínea. Vejamos como isso ocorre.Da expressão (3), vemos que\[v^{2}=\frac{2}{m}\left[E-V\left(x\right)\right]\thinspace\thinspace\thinspace\implies\thinspace\thinspace\thinspace v=\pm\sqrt{\frac{2}{m}\left[E-V\left(x\right)\right]},\] que dá origem à equação diferencial total\[dx=\pm dt\sqrt{\frac{2}{m}\left[E-V\left(x\right)\right]}.\]Contudo, diferentemente do caso da partícula livre, o lado direito depende de \(x\) em razão da energia potencial. Não é possível simplesmente integrar esta expressão. Mas se considerarmos que o movimento é retilíneo e que, em um subdomínio da curva \(x=x(t)\), a função da curva seja bijetora, teremos, pelo menos para um intervalo \(\Delta t\) definido, uma curva inversa \(t=t(x)\) bem definida. Neste caso, podemos escrever\[\label{04}dt=\pm\sqrt{\frac{m}{2}}\frac{dx}{\sqrt{E-V\left(x\right)}}.\]Caso a curva não tenha inversa única em determinado domínio, podemos quebrar o domínio em partes onde a função \(t=t(x)\) é bem definida. Na expressão (4), vemos que o lado esquerdo depende apenas do tempo, enquanto o lado direito depende apenas da posição. Assim, podemos tomar a integral\[t-t_{0}=\pm\sqrt{\frac{m}{2}}\int_{x_{0}}^{x}\frac{dx'}{\sqrt{E-V\left(x'\right)}}.\]A integral definida, denominada quadratura, pode ser resolvida analiticamente em poucos casos. Mas pode ser sempre trabalhada numericamente ou estimada por métodos aproximativos se a energia potencial for analítica. Vamos supor que, resolvida, a integral resulte em uma função de \(x\). Assim, podemos escrever\[t-t_{0}=\Theta\left(x,E,x_{0}\right),\]em que explicitamos a dependência na energia e na posição inicial. Como \(t=t(x)\) tem uma inversa por definição no domínio \(I=\left[t_0,t\right]\), podemos inverter a expressão acima para obter a curva \(x=\Theta^{-1}\left(x_{0},t_{0},E,t\right).\) Esta é a curva percorrida pela partícula com potencial \(V(x)\) energia constante \(E\) em uma dimensão.O Potencial linear

M.C.Bertin

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Os quatro primeiros postuladosVamos apresentar novamente os postulados que introduzimos até aqui:Postulado 1: A posição de uma partícula é representada por um ponto em R 3 .Postulado 2: A distância entre duas partículas é representada pela distância euclidiana em R 3 .Postulado 3: O movimento de uma partícula é representado por uma curva suave em R 3 .Postulado 4: O tempo é representado pelo parâmetro das curvas em R 3 com as propriedades: Homogeneidade, Invariância do intervalo de tempo entre observadores, Crescimento monotônico. Com estes postulados, fomos capazes de introduzir observáveis intrínsecos, que são definidores da partícula, como a massa e a carga elétrica. Ainda, vimos que existem outros observáveis, os observáveis extrínsecos, que possuem relação com a partícula. Os postulados 3 e 4 são, para todos os efeitos, os postulados que introduzem o fenômeno do movimento, então, podemos agora dizer que os observáveis extrínsecos são responsáveis por definir estados de movimento, ou seja, possuem relação com a partícula mas pertencem, em última instância, à forma como esta se move no espaço.Os observáveis que vimos até agora são representados por campos vetoriais, ou seja, são vetores cujas normas são invariantes por rotações. O postulado 2 introduz o observável posição de uma partícula, representado pelo vetor posição \(\mathbf{x}\), mas o movimento ocorre através de curvas suaves no espaço, como proposto pelo postulado 3. Portanto, a posição, assim como outros observáveis, dependem do parâmetro temporal, aquele do quarto postulado. A suavidade das curvas em \(\mathbb{R}^3\) induz a existência de outros dois observáveis, a velocidade e a aceleração. Estes observáveis são campos vetoriais, dependem portanto do ponto sobre a trajetória e esta, em razão da curva que representa o movimento, depende do tempo.Contudo, ainda não temos uma regra que nos diga a forma pela qual uma partícula se desloca sobre uma trajetória. Ou seja, dado um conjunto definido de observáveis relacionados a uma partícula, como saber sob qual curva ela se movimenta? Aqui, trabalharemos com a seguinte ideia: à medida que a partícula percorre uma trajetória, o movimento deixa invariante um conjunto específico de observáveis físicos, denominados invariantes dinâmicos. Assim, os invariantes dinâmicos serão quantidades físicas que não mudam seu valor na medida que o tempo passa e a partícula desenvolve sua trajetória.É importante salientar que os observáveis intrínsecos também são invariantes. Contudo, eles são invariantes absolutos, números reais constantes que não dependem de características do movimento do sistema. Os invariantes dinâmicos, por outro lado, são observáveis extrínsecos que dependem, no geral, de outros observáveis do sistema, mas que se manterão invariantes em razão das propriedades do próprio movimento.Antes de introduzir outros dois postulados com a implementação desta ideia, vamos tratar do primeiro e mais famoso exemplo de invariante dinâmico, a Energia.EnergiaVamos começar a definir o observável energia através de duas propriedades:A energia é uma quantidade conservada por rotações, portanto, é um observável escalar.A energia é um observável aditivo. Essas propriedades ainda não são suficientes, mas podemos começar por aqui. A primeira propriedade, a de que a energia é um escalar, nos permite determinar que a energia poderia ser um observável intrínseco da partícula. Contudo, vamos descartar esta possibilidade e assumir, por princípio, que a energia é um observável extrínseco, portanto, dependente do movimento. Assim, a energia de um sistema deve depender de observáveis euclidianos como o tempo, a posição, a velocidade e a aceleração. O tempo é um número real, mas os demais observáveis são vetores e, até aqui, a única maneira de produzir escalares a partir de vetores é através do produto escalar.A aditividade da energia, por outro lado, nos permite supor que a energia total de um sistema possui várias origens que são somadas. A energia depende:Do movimento do sistema com relação a um determinado sistema referencial;Do movimento interno das partículas constituintes do sistema; Da interação do sistema com outros sistemas.Da interação entre as partículas internas do sistema. Estas são as origens mecânicas da energia. Fora do escopo da mecânica clássica, precisamos falar de mais três tipos de energia:Energia intrínseca devido à existência da massa \(\left(E=mc^2\right)\).Energia dos campos de interação. Energia interna termodinâmica. A energia que vem do movimento do sistema físico com relação a um referencial é denominada energia cinética. Por outro lado, se o sistema físico é composto por muitas partículas, o movimento relativo entre as partículas é responsável por parte da energia total do sistema. Em parte, essa energia origina a energia interna termodinâmica. Contudo, o movimento interno das partículas não é a única origem da energia interna. Parte desta energia vem do calor, que tem origem estatística, mas essa discussão foge ao nosso escopo. Estamos interessados apenas nas energias de origem mecânica. Um sistema físico também pode interagir com outros sistemas físicos, assim, uma interação externa é uma fonte de energia total de um sistema. Ainda, se as partículas internas de um sistema interagem entre si, esta interação também dá origem a uma energia. As energia de interação são comumente denominadas energia potencial.Sobre as formas não mecânicas da energia, temos o exemplo da energia intrínseca de uma partícula devido a sua massa. Provavelmente a equação mais famosa da física, \(E=mc^2\) determina o conteúdo de energia da massa. Esta energia é usualmente ignorada nos processos mecânicos, químicos e biológicos em razão da conservação da massa. Portanto, a mecânica clássica, para a qual a massa é um observável intrínseco imutável, não prevê fenômenos nos quais um conteúdo de matéria pode ser convertido em energia. Ainda assim, tais fenômenos existem e constituem numerosos exemplos, como as bombas de fissão e fusão nuclear, e a produção de energia nas estrelas.Ademais, temos a energia devida à existência dos campos de interação, assunto marginal para a mecânica clássica, mas importante, por exemplo, no eletromagnetismo e nas demais descrições das interações fundamentais. A rigor, a mecânica clássica não introduz campos de interação, embora a gravitação universal newtoniana possa ser um exemplo controverso. Na eletrodinâmica, duas partículas carregadas formam um sistema que não só tem energia cinética e de interação mútua, mas que produzem campos elétricos e magnéticos também detentores de energia. Tal energia pode, inclusive, ser perdida mesmo que o sistema em si seja mecanicamente isolado, através de ondas eletromagnéticas.Mais dois postuladosPara implementar as ideias acima, vamos introduzir mais dois postulados:Postulado 5: (Princípio da Inércia - Primeira Lei de Newton). Existe uma classe especial de sistemas referenciais, denominados Referenciais Inerciais, para os quais a velocidade de uma partícula livre é constante. Postulado 6: A energia total de um sistema isolado é preservada durante o seu movimento.Não há como fugir da Primeira Lei de Newton. De fato, ela é mais importante para introduzir a classe de referenciais inerciais que para determinar o movimento da partícula livre. Como veremos, este movimento pode ser deduzido a partir do sexto postulado.Os referenciais inerciais são aqueles, portanto, que medem a velocidade de uma partícula livre como um vetor constante, ou seja, de aceleração nula. Para encontrarmos um referencial inercial, basta encontrarmos uma partícula livre e nos colocarmos em movimento uniforme com relação a esta partícula. Uma vez que um referencial inercial é determinado, teremos infinitos referenciais inerciais, uma vez que dois referenciais inerciais se movem com velocidade constante com relação à partícula livre e, portanto, se moverão com velocidade mutualmente constante.Portanto, uma vez escolhido um referencial inercial, a velocidade de uma partícula livre é um invariante dinâmico vetorial e a energia total de um sistema de partículas que não interage com outros sistemas externos é um invariante dinâmico escalar.A partícula livreOs seis postulados apresentados até aqui são suficientes para deduzir o movimento unidimensional, como o caso de uma partícula livre. Já que uma partícula livre move-se em linha reta com relação a um referencial inercial, basta que escolhamos um referencial inercial cuja orientação alinhe, por exemplo, o eixo \(\mathbf{e}_1\) à trajetória. Uma vez que a partícula se movimenta apenas sobre este eixo, podemos ignorar os demais eixos, então, apenas uma coordenada é suficiente para determinar a trajetória \(x=x(t)\) da partícula.Obviamente, a primeira lei de Newton é suficiente para deduzir como a partícula livre se move sobre a reta. Se ela se move com velocidade constante \(v\), isto implica em \(\dot{x}=v\) e, assim, uma integração no tempo resulta na equação da reta \(x=x_0 + vt\). Aqui, o sinal de \(v\) indica o sentido do movimento.Contudo, é o postulado 6 que determina a propriedade dinâmica do movimento, uma vez que ele determina o invariante dinâmico relacionado à curva percorrida pela partícula. Notemos que, em primeiro lugar, a energia total de uma partícula não possui contribuição interna, uma vez que uma partícula não tem estrutura. Visto que a partícula é livre, também não há interação externa. Assim, a única contribuição para a energia de uma partícula livre é a energia cinética, se ignorarmos origens não mecânicas para a energia.Portanto, a energia de uma partícula livre é um escalar euclidiano, invariante durante o movimento e que consiste apenas na energia cinética. Para que a energia seja um escalar, precisamos saber as expressões envolvendo os observáveis extrínsecos que temos até então que resultam em escalares. Como nossos observáveis fundamentais são vetoriais, posição, velocidade e aceleração, temos que usar produtos escalares para contruir uma boa expressão para a energia. Os candidatos disponíveis são:\(\mathbf{x}^2=\mathbf{x}\cdot \mathbf{x}\); \(\mathbf{x}\cdot \mathbf{v}\); \(\mathbf{x}\cdot \mathbf{a}\);\(\mathbf{v}^2=\mathbf{v}\cdot \mathbf{v}\); \(\mathbf{v}\cdot \mathbf{a}\);\(\mathbf{a}^2=\mathbf{a}\cdot \mathbf{a}\).Contudo, como estamos lidando com uma partícula livre, a aceleração é nula. Assim, a energia da partícula deve ser uma combinação linear\[E_c=\alpha \mathbf{x}^2+\beta\mathbf{v}^2+\gamma\mathbf{x}\cdot \mathbf{v}.\]Agora, esta energia deve ser uma constante do movimento. Assim,\[\frac{dE_{c}}{dt}=0\thinspace\thinspace\implies\thinspace\thinspace\frac{d}{dt}\left(\alpha\mathbf{x}^{2}+\beta\mathbf{v}^{2}+\gamma\mathbf{x}\cdot\mathbf{v}\right)=0.\]Como resultado, temos\[2\alpha\mathbf{x}\cdot\mathbf{v}+2\beta\mathbf{v}\cdot\mathbf{a}+\gamma\left(\mathbf{v}^{2}+\mathbf{x}\cdot\mathbf{a}\right)=0.\]Tomando a aceleração nula, vemos que o coeficiente \(\beta\) não precisa ser nulo. Contudo, a equação restante\[\left(2\alpha\mathbf{x}+\gamma\mathbf{v}\right)\cdot\mathbf{v}=0\]é obedecida se \(\alpha=0\) e \(\gamma=0\). Poderíamos ter a solução \(\mathbf{v}=-\frac{2\alpha}{\gamma}\mathbf{x}\), contudo, esta não é uma opção para \(\mathbf{v}\) constante (\(1^{a.}\) Lei de Newton), a não ser que \(\mathbf{x}\) seja constante, o que não queremos. Com \(\alpha=\gamma=0\), a energia cinética tem a forma \(E_c=\beta\mathbf{v}^{2}\), sobre a qual nos resta estabelecer o valor de \(\beta\).A costante \(\beta\) só pode ser fixada empiricamente, através de experimentos. No caso da partícula livre, podemos fixa-lo analisando o movimento de bolas em um trilho horigontal. Encontraríamos que o valor da energia cinética de bolas lançadas com a mesma velocidade inicial seria proporcional à massa da bola. Vamos fixar o valor de \(\beta\) em metade da massa da partícula, assim,\[\label{Energcin} E_c=\frac{1}{2}m\mathbf{v}^2.\]Como \(E_c\) é uma constante, um número real positivo, tratamos agora de uma partícula livre com energia \(E_c=E\) constante. Portanto, diferentes valores de \(E\) para uma mesma partícula resultarão em diferentes curvas sobre a reta, ou seja, a partícula percorrerá sua trajetória com velocidades diferentes para energias diferentes. Note que, neste caso, temos\[\frac{1}{2}mv^{2}=E\thinspace\thinspace\implies\thinspace\thinspace v^{2}=\frac{2E}{m}\thinspace\thinspace\implies\thinspace\thinspace v=\pm\sqrt{\frac{2E}{m}}.\]Como a partícula tem uma trajetória reta, o módulo de sua velocidade depende da energia. O sinal \(\pm\) indica apenas que o sentido pode ser positivo ou negarivo no eixo. Isto também significa que\[\frac{dx}{dt}=\pm\sqrt{\frac{2E}{m}}\thinspace\thinspace\implies\thinspace\thinspace dx=\pm\sqrt{\frac{2E}{m}}dt,\]que é uma equação diferencial total. Integrando em ambos os lados, temos\[\int_{x_{0}}^{x}dx'=\pm\sqrt{\frac{2E}{m}}\int_{t_{0}}^{t}dt\thinspace\thinspace\implies\thinspace\thinspace x-x_{0}=\pm\sqrt{\frac{2E}{m}}\left(t-t_{0}\right).\]Vamos acertar o relógio do observador para \(t_0=0\). Assim,\[x=x_{0}\pm t\sqrt{\frac{2E}{m}},\]que é a equação horária de uma partícula com velocidade \(\pm\sqrt{2E/m}\) constante sobre uma reta.A partir daqui, a energia cinética será sempre dada pela expressão (\ref{Energcin}). Veremos nas próximas aulas que, para sistemas em uma dimensão, cuja trajetória é restrita a uma reta, os seis primeiros postulados são suficientes para descrever a dinâmica de partículas. Contudo,  outros dois postulados serão necessários quando o sistema físico tiver total liberdade em três dimensões.
Sistemas referenciaisVamos relembrar os dois primeiros postulados:Postulado 1: A posição de uma partícula consiste em um elemento (ou ponto) do espaço euclidiano tridimensional \(\mathbb{R}^3\).Postulado 2: A distância entre duas partículas de posições \(x\equiv\left(x_1,x_2,x_3\right)\) \(y\equiv\left(y_1,y_2,y_3\right)\) é dada pela métrica euclidiana\[\label{metrica}D\left(x,y\right)=\sqrt{\left(y_1-x_1\right)^2+\left(y_2-x_2\right)^2+\left(y_3-x_3\right)^2}.\]Estes dois postulados estabelecem o mapeamento da estrutura física da mecânica clássica na estrutura matemática do espaço cartesiano com a métrica euclidiana. Os espaços euclidianos, em si, possuem estruturas complexas que, ao menos em parte, devemos apreciar. E a escolha da métrica euclidiana, como já dissemos, é uma escolha empírica; parece ser uma propriedade dos sistemas mecânicos que as distâncias sejam calculadas pelo teorema de Pitágoras.Duas são as características de \(\mathbb{R}^3\) que são fundamentais para a mecânica clássica: A geometria euclidiana é homogênea e isotrópica;O espaço \(\mathbb{R}^3\) é, em si, um espaço vetorial.Nesta aula, vamos abordar essas características.Sistemas de coordenadas Em espaços métricos, como no caso do espaço euclidiano, podemos definir sistemas de coordenadas. O exemplo mais simples no caso de  \(\mathbb{R}^3\) é o sistema de coordenadas cartesiano (fig. \ref{146774}), que consiste em uma origem e três eixos cartesianos reais. Cada eixo cartesiano representa uma reta real e cada ponto é representado por uma trinca ordenada de números reais \(\left(x,y,z\right)\). Por vezes também utilizaremos a notação \(\left(x_1,x_2,x_3\right)\). As coordenadas da origem são, naturalmente,  \(\left(0,0,0\right)\) .
Resumo dos conceitos primitivosVamos relembrar os conceitos primitivos que apresentamos em aulas passadas, para preparar o terreno do que vem a seguir.Primeiro, introduzimos o conceito de partícula clássica, que consiste em um objeto sem dimensões, que não pode ser criado ou destruído, e que possui um conjunto de observáveis associados, ou definidores, como a massa e a carga elétrica. Com a partícula, podemos construir sistemas de partículas, que consistem em conjuntos de partículas com suas características definidoras.No contexto de sistemas de partículas, ou sistemas físicos, introduz-se o conceito de interação e de movimento. Duas partículas em um mesmo sistema, no geral, interagem entre si mudando seus estados de movimento. A interação entre partículas depende dos observáveis intrínsecos às partículas do sistema, como a massa e a carga elétrica, que geram as interações gravitacional e eletromagnética, respectivamente. Estados de movimento necessitam da estrutura matemática para serem devidamente definidos, mas estamos chegando lá.Toda característica de um sistema físico, inclusive as características intrínsecas, é um observável. O observador é um sistema físico munido de um aparato de medida, ou seja, uma forma de se coletar informação sobre um determinado observável do sistema físico alvo. Esta coleta de informações é denominado de medição, enquanto a informação coletada é chamada de medida. Uma medida é um elemento do conjunto de todas as medidas possíveis de serem coletadas sobre determinado observável, o espectro. Considerando-se um espectro relacionado a um observável, uma medição pode filtrar uma única medida, ou um subconjunto de medidas do espectro.O processo de medição consiste na interação entre o observador e o sistema físico, de modo que, em via de regra, os estados de movimento de ambos podem ser alterados. Contudo, definimos uma medida clássica como aquela que perturba minimamente o estado de movimento do sistema, de modo que a interferência da medição é considerada desprezível.Sobre o mapeamento dos conceitos primitivos em estruturas matemáticasPara a construção de uma teoria coerente para a mecânica clássica, vamos nos utilizar da precisão matemática. Esta é a vocação primordial da física: descrever e predizer o comportamento de fenômenos naturais de forma precisa e inequívoca. Um caminho que poderíamos seguir é o de postular, através da observação e experiência, o comportamento dos conceitos primitivos da teoria. Para tanto, precisaríamos incluir outros conceitos e demonstrar seu comportamento matemático. Contudo, nosso ponto de vista será mais simples. A partir dos conceitos já estabelecidos, estabeleceremos um mapa para estruturas matemáticas já existentes. Este mapeamento tem o objetivo primeiro de estabelecer precisamente uma forma de relacionar as partículas, movimento e interações de um sistema.O mapeamento se dá através de postulados, que relacionam conceitos físicos a objetos matemáticos. Definiremos, primeiro, o conceito de posição:Postulado 1: A posição de uma partícula consiste em um elemento (ou ponto) do espaço euclidiano tridimensional \(\mathbb{R}^3\).Neste caso, introduzimos um novo conceito, o de posição, e este conceito está vinculado a uma estrutura matemática, um espaço euclidiano. Assim, em nosso ponto de vista, o conceito de posição é um conceito derivado, necessita da teoria matemática para ser definido.Por outro lado, definir um conceito a partir da estrutura matemática exige que a própria estrutura seja devidamente compreendida e explorada. A teoria matemática cria, neste sentido, um terreno abstrato. É neste terreno que os conceitos primitivos e derivados são posicionados e, assim, a teoria física toma vida própria.Existem, de fato, duas estruturas matemáticas conhecidas como \(\mathbb{R}^3\). A primeira dessas estruturas é uma variedade diferenciável; um espaço de pontos no qual é possível definir curvas suaves. Como veremos, esta propriedade será de importância fundamental para a descrição do movimento. Por outro lado, o espaço euclidiano é também um espaço vetorial. Portanto, a posição de uma partícula clássica também pode ser representada pelos tão conhecidos vetores euclidianos, com todas as suas propriedades. Trataremos dessas propriedades mais adiante.Vamos, primeiro, tratar do espaço \(\mathbb{R}^3\) como uma variedade. O protótipo do espaço euclidiano é a reta real \(\mathbb{R}\), que consiste em uma representação do conjunto dos número reais sobre uma reta (fig \ref{284923}).